Histórias de Moradores de Osasco

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade de Osasco.


História do Morador: Genézio Migliori
Local: São Paulo
Publicado em: 11/09/2003

História de Vida

História:

Identificação
Museu da Pessoa - Ceschini, para começar eu queria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento. Ceschini - Meu nome é José Carlos Ceschini, eu nasci em 22/04/60, na cidade de Osasco, em São Paulo. M

P - A tua família é de Osasco mesmo? Ceschini - A minha família toda é de Osasco. Meus pais nasceram e se criaram em Osasco, assim como praticamente toda a minha família.

Avós

P - E os teus avós? Você sabe se eles são de Osasco também? Ceschini - Por parte do meu pai, os meus avós paternos, vieram da Itália. E por parte da minha mãe, os avós maternos, vieram de Portugal. M

P - Você sabe um pouquinho a história deles? Começando pela família do teu pai, que veio da Itália. Você sabe quando e por que eles vieram para o Brasil? Ceschini - Eu acredito que a maior parte foi, na época e por problemas principalmente de guerra, aquelas coisas que tiveram, então eles acharam melhor se instalar em São Paulo, ou melhor, no Brasil -, e tentar a vida aqui. M

P - Você sabe onde eles foram morar exatamente? Ceschini - Na realidade o meu pai nasceu no Brasil. Os meus avós que vieram da Itália. M

P - E em que lugar do Brasil seus avós foram morar? Você sabe? Ceschini - Meus avós paternos foram morar na região de São Joaquim da Barra. Depois, logo em seguida, se transferiram para Osasco, onde eles ficaram até virem a falecer. M

P - E teu pai nasceu então nessa cidade. Ceschini - São Joaquim da Barra, aqui em São Paulo, mesmo. M

P - O que os teus avós faziam? Você sabe disso? Ceschini - Meus avós maternos trabalhavam com comércio, na região de Osasco, assim como os avós paternos também. Era um tipo de comércio, tipo mercearia. M

P - Os teus avós maternos vieram de Portugal. Ceschini - De Portugal. M

P - Qual região de Portugal? Ceschini - É de um lugar que gera até certa gozação. Trás dos Montes. M

P - Você sabe se eles vieram para cá casados? Ceschini - Vieram casados. M

P - Vieram de navio, será? Ceschini - Vieram de navio na época. M

P - E eles foram morar aonde? Ceschini - Eles vieram morar na cidade de Osasco, mesmo. É, a princípio eles trabalharam numa fazenda de uma família tradicional. A família Marcondes. A princípio eles trabalharam de caseiro. Essa família é muito tradicional, principalmente na cidade de São Paulo. Lá eles trabalhavam de caseiro, depois conseguiram comprar alguma coisa na cidade de Osasco, onde abriram um pequeno comércio. E daí para frente conseguiram criar os filhos... M

P - Essa fazenda plantava o quê? Você sabe de que tipo era essa fazenda? Ceschini - Se eu não me engano, parece que eles tinham gado, alguma coisa relacionada a gado. M

P - E esse pequeno comércio que eles vieram a abrir depois era comércio de que tipo? Ceschini - Mercearia. Vendia um pouquinho de tudo, aqueles sacos enormes de farinha, arroz... M

P - Você chegou a freqüentar essa mercearia? Ceschini - Não.

Lembranças do pai farmacêutico

P - E os seus pais? Como eles se conheceram? Você sabe dessa história? Ceschini - Não estou bem lembrado. M

P - Quando eles se casam eles continuam morando em Osasco. Ceschini - Continuam morando em Osasco. Eles casaram, e meu pai fez lá o técnico da farmácia. Era um curso, porque na época ainda não existia faculdade. Fez o curso técnico de farmácia, onde ele montou uma farmácia que existe até hoje em Osasco. A farmácia na época chamava Farmácia São João. E ela se encontra até hoje lá, está situada na Rua Antônio Agu, 1009. E meu pai montou essa farmácia na época da farmácia com "ph", onde o médico não prescrevia o produto, e sim uma fórmula. Meu pai, através desse curso que ele tinha feito, de farmácia, manipulava o medicamento frente à prescrição do médico, e enviava esse medicamento para as pessoas. M

P - Você chegou a ir nessa farmácia? Ceschini - Sim. Quando eu era pequeno eu tinha até o costume de ver o que meu pai estava fazendo; eu lembro, ele tinha balanças com pesos muito pequeninos, que eram para ver miligramas. Na época o médico prescrevia formulação em miligramas, então tinha pesos que eram em miligramas, onde meu pai tinha que colocar os sais, naquela miligramagem que era descrita pelo médico. Só que na época eu era muito arteiro, eu ia mexer lá nos pesinhos dele e ele brigava muito comigo. E tem um fato: eu não podia espirrar que eu já tomava uma injeção. M

P - Como era isso? Ceschini - Meu pai, por ele ser farmacêutico, qualquer sintoma diferente do normal ele já... Na época era tudo injeção, não tinha muita coisa de via oral, não, era mais injetável mesmo. M

P - Então qualquer espirrinho já era uma injeção. Ceschini - Já era uma injeção. M

P - Como era essa farmácia? Você podia descrever um pouquinho? Ceschini - Olha, eu lembro... As prateleiras eram todas de madeira. Em algumas partes tinham vidros. E geralmente eram embalagens, vidros grandes contendo os sais. Vários vidros. Não tinha vidro pequeno, a maioria deles eram grandes onde estavam contidos os vários tipos de sais. A armação era toda em madeira, inclusive tinha muito cupim nessas armações... M

P - (riso) E teu pai usava avental? Ceschini - Usava avental, um avental branco, bonito... M

P - E mais gente trabalhava com ele? Ceschini - Na época eu lembro que ele tinha um funcionário, que trabalhou bastante tempo com ele, e hoje ele é um médico em Osasco. Antônio Renato Bonim. Ele foi ajudante na farmácia do meu pai muito tempo, e depois ele gostou tanto da farmácia que acabou fazendo a Faculdade de Medicina. Hoje ele é um médico muito bem conceituado, um médico pediatra, e atua na região de Osasco. Inclusive eu o visito. M

P - E teu pai já tinha essa relação com os médicos? Ceschini - Tinha bastante. Inclusive tinha um médico em Osasco, eu lembro dele como se fosse hoje, Dr. Newton José Ferreira, que é um médico tradicional. Para você ter uma idéia dele, o CRM dele é 160. Hoje nós estamos com o CRM em mais de 100 mil já. Você imagina o médico, o quanto esse médico conhece. M

P - E ele freqüentava a farmácia. Ceschini - Freqüentava a farmácia, a minha casa. É um médico que até hoje tem um número de consultas grande. Diminuiu bastante, mas ele ainda é muito procurado até hoje. É aquele médico que atendeu a minha avó, atendeu o meu pai, me atendeu, meus filhos... É um médico que atendeu praticamente gerações da família. M

P - E também tinha do seu pai atender diretamente o público, dele sair para dar injeção? Ceschini - Tinha, sim. M

P - Você lembra de acompanhar isso? Ceschini - Bastante. Naquela época o farmacêutico era muito bem quisto frente às pessoas. Ele tinha muito isso de atender o paciente em casa, aplicar injeções, levar medicamentos, inclusive de bicicleta uma época. M

P - Quem é que levava? Era teu pai mesmo? Ceschini - Meu pai mesmo. E muitas vezes esse ajudante que hoje é um médico. M

P - E você lembra como ele abriu essa farmácia? Ele comprou de alguém? Ceschini - Não, na primeira vez que ele montou a farmácia, ele montou num prédio, numa esquina, que era a propriedade da minha avó. Ele montou lá com muitas dificuldades, como tudo que você inicia, e foi uma das primeiras farmácias de Osasco, E daí para frente ele teve um sócio, o Cláudio Macedo, que ele vendeu a farmácia recente, agora. Mas é uma farmácia que era referência na região de Osasco, todo mundo o conhecia. M

P - Você acompanhava seu pai nessas entregas de medicamento também, nessas idas para dar injeção? Você lembra disso? Ceschini - Por algumas oportunidades, quando era uma pessoa conhecida da família, eu até ia com ele, eu gostava muito. M

P - Você lembra de alguma estória boa, mais engraçada, dessa época da farmácia? Teu pai contava? Ceschini - Eu lembro que meu pai falava sempre de uma limonada purgativa que ele fazia, que era tiro e queda. Essa limonada era assim, se a pessoa tivesse algum problema de dificuldade de evacuar, tomava essa limonada, que era tomar e correr para o banheiro. M

P - E a receita dessa limonada ele nunca deu, não? Ceschini - Não. Eu lembro que ele fazia algumas misturas com sais que possuía; eu sei que ele falava sempre... Palavras dele: "Vinham aqueles pacientes com aquele problema, com dificuldade de evacuar, aí eu fazia uma limonada que... Muitas vezes só do paciente pegar no vidro - que eram vidros grandes -, só de pegar no vidro já dava vontade de ir no banheiro, de tão eficaz que era o produto." M

P - Porque levava para casa os vidros. Ceschini - Vidros. Todos vidros, e geralmente vidros grandes. M

P - E as pessoas depois devolviam os vidros? Ceschini - Não. Inclusive nas prateleiras da farmácia tinha aqueles vidros... Geralmente eram vidros escuros, aqueles vidros maiores até. Ficavam todos expostos na prateleira, todos esterilizados e tal. M

P - Etiqueta... Ceschini - A etiqueta era colada, com aquela cola tradicional, aquele pincel, para depois você colocar no vidro o rótulo. M

P - Quantos anos seu pai ficou com essa farmácia? Você lembra? Ceschini - Ele ficou bastante tempo. Eu acredito que uns 10 anos ou mais.

Casa da Infância

P - E era perto da tua casa, Ceschini? Ceschini - Eu morava na primeira casa e a farmácia era na esquina. Era a Padre Damázio com a Antônio Agu. Tinha a esquina que era o salão da farmácia, e logo do lado já era a residência. M

P - E essa é a casa da tua infância? Você morou lá durante toda a tua infância? Ceschini - Isso. Na realidade eu morei nessa casa, depois eu mudei para outra casa onde meu pai após vender essa primeira farmácia montou uma outra, com salão próprio também, e eu fui morar nessa outra casa. M

P - Dessas duas casas qual foi o mais importante para você? Em qual você tem mais lembrança dessa época de infância? Ceschini - A segunda moradia... M

P - Onde ficava essa? Ceschini - Ela ficava bem em frente à catedral, hoje a Catedral de Osasco. Nessa catedral tinha os padres, tinha os seminaristas... O terreno da catedral era muito grande e tinha um pomar. Eu lembro que eu ia lá brincar. Eles tinham um mini-zoológico dentro desse seminário... Era uma coisa muito legal. Os padres sempre traziam frutas da chácara e distribuíam para a criançada. A gente ia jogar bola... Era uma infância muito gostosa. M

P - Mas esse seminário com pomar e mini-zoológico não era perto da catedral, em outro lugar. Não é isso? Ceschini - Era atrás da catedral. M

P - Atrás. Ceschini - Isso. Tinha a catedral, atrás era o seminário, e atrás tinha um campo de futebol, tinha um pomar muito grande. M

P - E a tua casa como é que era? Ceschini - a minha casa era praticamente em frente à catedral. Era um sobrado. Aliás, é um sobrado. Era um sobrado bem grande, contendo três quartos em cima, uma sala em cima, uma sala em baixo, um banheiro, uma cozinha grande, uma área de serviço bem grande, construída toda com aquele tijolo desse tamanho, um tijolo grandão assim. M

P - Qual que era o teu cantinho favorito nessa casa? Ceschini - Era debaixo da parreira de uva que o meu pai tinha plantado. M

P - Onde é que ficava, no quintal? Ceschini - Ficava no quintal, tinha uma parreira de uva. Ele tinha assim, poderia dizer, uma mão santa, porque ele podava aquela uva, e no final do ano o que tinha de caixos de uva... O meu lugar predileto de brincar era em baixo da parreira de uva.

Brincadeiras da Infância

P - E brincava do quê? Ceschini - Bolinha de gude, pião, carrinho... Brincadeiras sadias. Meu pai criava algumas galinhas também, então a gente brincava com os pintinhos. Coisas desse tipo. M

P - Quem é que morava nessa casa? Ceschini - Morava eu, meu falecido irmão Walter, e minha irmã Sandra. M

P - Teu pai e tua mãe também sempre em casa? Ceschini - Sempre em casa. Meu pai na farmácia e minha mãe em casa fazendo os afazeres. M

P - Tua mãe como é que se chamava? Ceschini - Cilena M

P - Tua mãe já faleceu? Ceschini - Não, minha mãe ainda é viva.

Lembranças da mãe

P - Da tua mãe, assim, que lembranças que você tem dela dentro de casa? Ceschini - Sempre vaidosa. Sempre preocupada com o cabelo, as unhas. Sempre vaidosa. Manicure em casa... Até hoje... Tem até uma coisa recente. Recentemente ela foi hospitalizada porque ela sempre foi uma pessoa que se preocupou em estar bem, sempre querendo rejuvenescer, e recentemente ela tomou um medicamento que foi uma indicação de uma amiga dela. A amiga dela falou que se tomasse esse medicamento ia rejuvenescer, e ela foi parar no hospital, onde teve que fazer um processo de curetagem. Eu falei: "Você quase rejuvenesceu; você quase virou anjo." Eu brinquei com ela: "Quase virou mocinha." M

P - E ela sempre foi assim? Ceschini - Sempre foi assim. M

P - E teu pai e tua mãe? Você lembra de passeios em família? Tinha isso de sair? Ceschini - Tinha. A gente passeava muito na região de Santana do Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus. Em Pirapora tinha os passeios de barco no antigo e limpo rio Tietê. Pirapora do Bom Jesus é uma cidade histórica. Eu lembro que a gente ia lá e tinha os passeios de barco. E era no domingo, com aquele Ford mil novecentos e alguma... Aquele Ford bem antigo, preto. M

P - Colocava a família dentro do carro e ia. Ceschini - Ia passear em Pirapora do Bom Jesus. M

P - E almoçava lá mesmo? Ceschini - Almoçava lá mesmo. Ou almoçava, ou fazia um churrasco na beira da estrada. Ia pescar, o rio Tietê era limpo ainda. M

P - Fazia o churrasquinho ali na beira da estrada? Ceschini - É, na beira da estrada. Porque essa estrada era tipo uma estrada turística, tinha algumas churrasqueiras. Ou churrasqueiras improvisadas. Então ali você punha uma carninha para assar, ia pescar. O próprio peixe que você pescava lá no rio Tietê você fazia na hora lá. Era um passeio muito gostoso. M

P - E dentro de casa como você descreveria tua mãe e teu pai? Eles eram muito severos com vocês? Ceschini - Eu acho que a educação daquela época era uma educação onde os filhos respeitavam o pai com um simples olhar. Ou seja, o olhar do pai ou da mãe você já sabia o que queria dizer. Muitas vezes você ia na casa de um familiar ou de um vizinho, então se o vizinho oferecesse alguma coisa, primeiro você olhava para o pai ou para a mãe. Se eles fizessem assim, tudo bem, se eles fizessem assim, você já ficava... Bastava olhar, não tinha muito o quê falar. Educação era coisa séria, era levado a sério.

Primeira escola

P - E você começou teu estudo também lá em Osasco? Ceschini - Lá em Osasco. M

P - Você lembra dessa primeira escola? Ceschini - Lembro. Foi o famoso Grupinho. M

P - Como chamava? Ceschini - Escola Estadual Primeiro Grupo. M

P - Ficava perto de casa? Ceschini - Ficava próximo, bem próximo, praticamente na rua. M

P - Que era bem no centro de Osasco? Ceschini - Isso, bem no centro de Osasco. M

P - Numa época bem diferente do centro de hoje, né? Ceschini - Ah, bem diferente. Inclusive esse se transformou em Colégio José Liberatti, que está lá até hoje, só que as condições em que a escola se encontra não são tão boas como na época. M

P - E como era? Você ia para a escola a pé? Ceschini - A pé. M

P - Como era o uniforme? Você lembra? Ceschini - (riso) O uniforme era aquele shorts azul com aquela camisa branca. Teve uma época em que a gente usou uma gravatinha borboleta. Era uma coisa... Hoje a gente acharia cômico, mas era uma coisa legal. M

P - E a sala de aula como é que era? Ceschini - Sala de aula. Para você ter uma idéia, o colégio era de tijolos; aqueles tijolos a vista, não era nem rebocado. Aquelas salas de aula com carteiras duplas, que sentava você e mais um coleguinha. Aquelas carteiras imensas. Que mais que eu posso lembrar dessa escola? M

P - Da professora. Você lembra de alguma professora em especial? Ceschini - Lembro. Tinha a dona Terezinha, o professor Wagner, o seu José Carlos, que era o diretor da escola. Tinha a dona Rosinha e o seu Zé, que a gente tinha um medo deles, porque eles eram os serventes da escola. Mas nós tínhamos um respeito por eles. Um respeito muito grande, porque vinha o seu Zé e a dona Rosinha e todo mundo ficava quietinho. Tinha uma frase que o seu Zé sempre falava. Quando a gente estava em grupinho, ele olhava para a gente assim e falava: "Vocês aí" Aí todo mundo: "Não, não estou fazendo nada, não." Era um respeito muito grande, sabe? Não só pelos serventes, pelo professor. Todo mundo tinha medo. Não é medo, era respeito. É diferente dos dias de hoje. M

P - E o recreio como era? Ceschini - É, recreio era aquele lanche que você trazia de casa, geralmente embrulhado num guardanapo de pano. Aí chegava na hora do recreio, você desembrulhava aquele seu lanche, aí tinha um suco levado naquelas lancheirinhas. Era fantástico, eu adorava a minha infância. M

P - Você ficou estudando lá até que época? Ceschini - Eu estudei lá até a oitava série; eu fiz do primeiro ano até a oitava série lá. Depois eu mudei para um outro colégio que foi o Semearte. M

P - Em Osasco? Ceschini - Em Osasco, mesmo.

Diversão da adolescência

P - A tua adolescência você passou em Osasco. Ceschini - Em Osasco. M

P - Na mesma casa? Ceschini - Na mesma casa. M

P - Como foi ser adolescente lá em Osasco? Qual que era o programa da época? Ceschini - A princípio a gente tinha muitas brincadeiras, a gente pensava pouco em namorar. A gente pensava mais em brincar, em jogar bola, em jogar bolinha de gude, pião... Praticamente brincadeiras que a gente gostava, e era a todo momento. Hoje os tempos mudaram, mas naquela época era mais brincar propriamente. Soltar pipa, que era uma coisa que eu adorava. M

P - Onde você soltava pipa? Ceschini - Nós tínhamos um campinho; chamava-se até o Campo do Vermelho. Lá a gente empinava pipa, jogava bola, a gente fazia cabana e tudo o que você possa imaginar. Um campo bem grande, um campo de terra. M

P - Qual era a turma? Era a turma do colégio, era da rua? Que turma era essa? Ceschini - Nós tínhamos turmas divididas. A turma da rua de cima, a turma da rua de baixo, então era aquela disputa: a rua de cima contra a rua de baixo... Mas uma disputa saudável, não existia maldade. Era assim: quem vencia, vencia, e tudo bem. Não tinha coisa de maldade, apesar de haver uma disputa era uma disputa sadia. M

P - Era nos jogos a disputa? Ceschini - Jogos. Era a rua de cima contra a rua de baixo. E era uma coisa muito bacana. No final todo mundo se reunia, todo mundo brincava.

Trabalho de DJ

P - E tinha os bailinhos também nessa época? Ceschini - Isso aí já foi um pouco depois, na fase dos 17 anos. Aí eu inclusive comecei a fazer os bailes, eu inclusive trabalhei como DJ; antes de entrar no Bradesco eu trabalhei bastante tempo como DJ. M

P - Onde era? Você era DJ de que casa? Ceschini - Eu trabalhei no Clube Floresta, que é lá em Osasco. Passei pelo Clube Atlético, e tive uma passagem pelo Clube dos Sargentos, dos subtenentes e sargentos. Trabalhei também em boates em São Paulo, na Liberty Plaza. Não vou nem falar o nome das outras que é até... (riso) Boates não... Liberty Plaza até pode falar. M

P - Mas o que é? Era baile de fim de semana? Ceschini - Na realidade eu iniciei a minha carreira como DJ em bares e residências. E daí a gente foi crescendo, conseguiu comprar uma aparelhagem melhor, aí nos transferimos para o Clube Floresta, que é o clube da elite. Depois eu fui chamado para trabalhar com o Braga, que é dono de uma casa famosa lá em Osasco, que é o Rapsody, e me chamou para ir trabalhar com ele. M

P - Era você e alguns amigos. Começou meio por acaso? Ceschini - Meio por acaso. A gente começou, iniciou com aquelas vitrolas, aquelas coisas antigas que você ligava... Tinha até válvula, amplificadores com válvula. Tinha que ligar e esperar esquentar para poder fazer alguma coisa. Depois foram aparecendo novos aparelhos eletrônicos. E a gente foi crescendo. Na medida em que apareceram novidades a gente foi comprando, e conseguimos aparelhagens melhores. Depois no Clube dos Tenentes a gente começou com um desfile de moda. Eu trabalhei muito tempo. Trabalhei uma época com o Trio Los Angeles; a gente fazia desfiles de moda no Brasil inteiro; fizemos Fenit por várias vezes no Anhembi, fizemos a Fenit no Rio; fizemos a inauguração de todas as lojas da Star-up. Fizemos muitos desfiles. M

P - Ainda na época das festas? Era a época de qual som? Você tinha uma coleção de LPs? Ceschini - A princípio, quando eu comecei era época do Rock and Roll, do Rock and Roll propriamente dito. Depois a moda passou para Discoteca, que ficou bastante tempo. Quando começou a terminar a Discoteca eu me desliguei praticamente da parte de DJ. M

P - Quer dizer que nos bailinhos você trabalhava. Ou dava para se divertir também? Ceschini - Eu mais trabalhava. Eu me divertia com o meu trabalho, que era uma coisa gostosa. Gostava muito de fazer isso. M

P - Teve alguma festa que foi mais especial para você? Ceschini - Teve diversas festas. Uma que eu achei o máximo foi quando a esposa do Mick Jagger, dos Rolling Stones, veio desfilar no Brasil e nós fomos convidados para fazer a parte de som e iluminação, onde não deu nada certo porque o coreógrafo era francês, ninguém entendia nada do que ele falava. Então ele falava das coisas, coisas que ele pedia e que não existiam no Brasil: mesa para mixagem, mesa de luz... Não existiam as coisas que ele estava acostumado a trabalhar. Ele era um profissional muito renomado. Eu lembro até hoje. Quem nos contratou foi o Bernard. Na época ele tinha a melhor academia de modelos do Brasil. Eu lembro as palavras dele; ele era francês também, mas ele falava um pouco de português. Ele falou assim: "Vocês me arruinaram." Para você ter uma idéia, o desfile de moda começava com uma limusine subindo em cima da passarela, onde o motorista descia e abria a porta para a Jerry Walker, que era a mais cara manequim do mundo na época. Para você ter uma idéia, foi no Sírio-libanês o desfile. M

P - E não deu certo o som e a luz? Ou deu certo? Ceschini - Deu assim, meia boca, sabe? Aquela coisa que não deu. O Bernard quase matou um colega que soltou gelo seco na hora que não era para soltar. Foi um desastre, sabe? Foi um desastre total. Total. M

P - E nessa época você estava estudando? Você estudou até quando? Ceschini - Eu fiz o colégio. Terminado o colégio eu praticamente comecei nessa... No colégio eu já trabalhava, mas não era uma coisa tão assim, minha. Eu tinha meus afazeres com o colégio, então não dava para misturar. Aí depois que eu terminei o colégio pude ter um direcionamento melhor, que é fazer o que eu gostava, que era levar música para o pessoal dançar. M

P - E música que você curtia mesmo? Ceschini - Eu sempre gostei muito de rock. Eu acho que o rock liga você a um tempo onde não existe maldade. Você via as pessoas, todas as pessoas falando em paz, em amor. É uma coisa bonita. Você ia num show de rock, apesar de você ver pessoas cabeludas, pessoas estranhas para você... Porque as famílias tinham medo, viam você cabeludo, olhavam com certo receio. Só que essas pessoas não faziam mal para ninguém, é diferente. Diferente dos dias que a gente vê hoje. Você vê pessoas até bonitas com um revólver na cintura. Naquela época não tinha nada disso, você andava na noite tranqüilo, não existia maldade no coração das pessoas.

Namoro e casamento
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P - Depois da fase de DJ qual é a fase seguinte? Você vai trabalhar no banco? É isso? Ceschini - É. Após a fase que eu trabalhei como DJ, propriamente dito, já foi a fase de noivado, e casamento, e trabalho... E seriedade. Eu achei melhor parar com tudo isso porque eu não tinha condições de continuar executando o meu trabalho, porque o meu trabalho na noite era... Você escolhe: ou trabalha na noite, ou fica casado. Não dá para fazer as duas coisas, então eu optei por casar. M

P - Quando você se casou? Ceschini - Eu casei no dia 4/12/82. M

P - Você conheceu a tua esposa como? Ceschini - No baile. M

P - Como é que foi essa história? Ceschini - Então, teve um belo dia que eu estava passeando de bicicleta, lá em Osasco mesmo, eu estava passando por uma determinada rua, onde eu a vi pela primeira vez. Ela assobiou e tal, eu voltei com a bicicleta: "Deixa eu dar uma volta de bicicleta?": "Tá bom." Ela foi dar uma volta de bicicleta, e quando ela voltou eu falei assim: "Por que você não vai no baile à noite?" Aí ela foi, e a gente se conheceu. M

P - Como ela chama? Ceschini - Nelma. A gente se conheceu, e começou a namorar. Aí eu fiquei muito bravo com ela, porque passado duas semanas ela me deu um fora. M

P - Como foi isso? Ceschini - Ela me deu um fora. M

P - Desistiu. Ceschini - Desistiu, falou: "Não quero mais nada com você": "Tá bom." Eu fiquei muito chateado e falei: "Tá bom, isso não vai ficar assim." Aí depois nós retornamos ao namoro, voltamos a namorar de novo, aí eu desisti dela. Paguei com a mesma moeda. E nesse vai e volta a gente ficou mais ou menos uns seis anos. Namoro de vai e volta. Eu começava a namorar com ela, desistia, namorava, desistia. Aí quando eu decidi, quando eu iniciei o meu trabalho no Banco, eu falei: "Agora é sério, agora eu não desisto mais." M

P - Aí pediu em casamento. Ceschini - Aí pedi em casamento. M

P - Como foi esse pedido? Você lembra? Ceschini - Olha, como eu te falei. Pelo fato de eu ser cabeludo a família dela não me via com bons olhos. A imagem que a gente passava pelo cabelo era de uma pessoa não muito confiável. Mas aí eu provei para a família dela que eu era uma pessoa confiável, cortei meu cabelo. Fui trabalhar no lugar mais difícil para entrar, que era na Cidade de Deus, no Bradesco da Cidade de Deus, que é a matriz do Bradesco. A primeira coisa é que você não entrava se você não tivesse cabelo curto. Mas cabelo curto, curto mesmo. Aí eu consegui entrar, comecei a trabalhar no setor de cadastro no Bradesco. Nessa época ela trabalhava no Unibanco, então ela trabalhava no Unibanco e eu trabalhava no Bradesco, e aí a gente começou a comprar as coisas para o nosso casamento, nós dois juntos. Eu pegava o meu salário do Bradesco e dava na mão dela: "Está aqui meu salário." E aí a gente foi comprando tudo. Quando a gente casou, a gente não tinha nenhuma dívida, a gente já tinha tudo, já tinha casa. Tinha todos os móveis, tudo pago, tudo certinho. M

P - Compraram uma casa inclusive. Ceschini - Inclusive. Uma casa bem pequena. M

P - E o casamento? Você lembra alguma coisa da igreja, da festa? Ceschini - Na sexta-feira que antecedia o casamento - eu ia casar no sábado - meus amigos, meus grandes amigos que eu sinto uma saudade muito grande -, me levaram para a despedida de solteiro. Na sexta-feira. Só que eles retornaram com a minha pessoa umas dez horas do sábado, totalmente bêbado. Na casa da minha mãe tinha uma banheira, eles encheram com uma quantidade de água, até falar: "Não põe mais água, senão ele vai morrer afogado." Me colocaram na banheira: "Deixa ele aí que ele vai melhorar." Para eu casar, para você ter uma idéia, eu tive que tomar três injeções. Eu estava totalmente passado. Minha esposa até falou: "Não vai casar." Porque eu estava na casa dela, eles foram me buscar na casa dela: "Nós vamos fazer só uma despedida de solteiro e logo, logo ele retorna." Aí dei um beijinho nela e disse: "Já, já eu estou aí." Aí fui aparecer só no outro dia às dez horas da manhã. Ela falou: "Pronto, mais uma vez." Mas foi legal, foi muito... M

P - E no final deu tudo certo com a cerimônia, com a festa? Ceschini - Foi tudo maravilhoso, tudo tranqüilo. A princípio não ia ter festa. Até o padre, na hora que ele falou: "Os noivos receberão os cumprimentos na casa da noiva com uma festa." Aí a gente falou: "Ô, padre, deve ser outro casamento.": "Não, é o de vocês mesmo." Foi quando nós tivemos a notícia que os meus amigos fizeram uma festa surpresa para a gente. Foi muito legal. Pessoas que eu estimo. M

P - Na casa dela a festa. Ceschini - Na casa dela mesmo. M

P - Com som? Ceschini - Com som. Os meus amigos cabeludos, que assustavam todo mundo. (riso)

Entrada no Aché

P - Até quando você fica no Bradesco? Ceschini - Eu fiquei no Bradesco quatro anos. Não chegou a quatro anos, chegou a três anos e um pouquinho. Fiquei até agosto de 85, aí eu iniciei o processo no Aché. O processo aqui para entrar era complicado. M

P - Você já tinha ouvido falar no Aché? Ceschini - Eu tinha ouvido falar, mas eu não sabia bem o que era. Eu tinha um cunhado que trabalhava na Bristol-Myers Squibb, aí foi quando ele me comentou alguma coisa sobre o que era a propaganda. Eu falei: "Acho que eu dou para isso, acho que eu vou me dar bem nessa propaganda." Foi quando eu iniciei o processo aqui no Aché. M

P - Tem alguma ligação com o teu passado na farmácia, com teu pai? Ceschini - Nada a ver. Nada a ver. O processo aqui, para você ter uma idéia, quando eu entrei no Aché, era um processo eliminatório. Começava por aí. Você tinha uma entrevista, você ia para um curso onde, suponhamos, nós tínhamos 20 pessoas para cinco vagas. Para você ter idéia do curso, era um curso eliminatório onde ficavam os melhores de acordo com a nota de provas e assimilação, e tudo o mais. Nós iniciamos o curso com cerca de 20 pessoas onde terminaram praticamente duas pessoas. Três pessoas. No dia de registrar, um desistiu. Ele falou: "Isso aqui é coisa para louco." Aí pegou e desistiu. Aqui dentro do Aché mesmo. Ele veio aqui para registrar e acabou desistindo. Ele falou: "Não dá, que isso daqui é coisa para louco." E acabou indo embora. M

P - Quando você entrou de fato na empresa? Ceschini - Eu fui registrado no dia 5 de setembro de 1985. Praticamente há 17 anos atrás.

Área de estréia
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P - Qual foi a tua região de estréia? Você se lembra? Ceschini - Eu comecei a trabalhar na região de Osasco mesmo. Só que a região de Osasco que a gente falava era o fundão de Osasco, que estava mais relacionado com a periferia, onde incluía outros municípios além de Osasco. Estava incluído Carapicuíba, Barueri, Jandira, Itapevi, Cotia, Santana do Parnaíba, Pirapora, Caucaia do Alto e Vargem Grande Paulista. Eram praticamente municípios vizinhos a Osasco. M

P - E como você percorria essa região? Era um carro seu, um carro da empresa? Como era? Ceschini - Na época o Aché não tinha essa determinação de dar carro. Eu lembro que quando eu iniciei no Aché eu iniciei com um carro próprio. M

P - Que carro era? Ceschini - Na época que eu iniciei no Aché era um Chevette.

Primeiro salário

P - Você lembra do teu primeiro dia de trabalho como propagandista? Ceschini - Lembro. Eu tinha um supervisor que chamava Wanderley, que assim que eu entrei ele estava... Para você ter uma idéia, duas semanas após a minha entrada no Aché eu recebi o meu primeiro pagamento, onde eu fui reclamar com o Wanderley pelo valor que estava no hollerith. Inclusive eu tenho ele até hoje. Na época eu recebi 2.600. Eu não lembro qual era o fator... 2.600 cruzeiros vai, vamos colocar assim. E fui reclamar com ele, falei: "Está errado." Ele falou: "Você recebeu a menos?": "Tá errado." Ele fez o cálculo, tal: "Tá certo": "Mas é tudo isso?" Ele falou: "É tudo isso; você não trabalhou? É tudo isso." Para você ter uma idéia, no Bradesco eu recebia por volta de 600. Meu primeiro salário no Aché foi 2.600. Eu achei que estava errado. M

P - O que você fez com esse salário? Ceschini - Olha, eu nunca tinha visto; para mim é muito dinheiro, porque você imagina, de 600 para 2.600 era uma elevação muito grande. Fiquei contentíssimo Você sabe que o que mais motiva a pessoa, o ser humano, é o dinheiro. O que mais motiva é o dinheiro. Infelizmente.

Dia-a-dia de propagandista
M

P - Você lembra desse começo do Aché? Como era um dia típico de trabalho? Você saía de casa logo de manhã cedo... Ceschini - Eu fazia todo aquele ritual que era comum ao acheano da época. Era fazer a barba todos os dias pela manhã, camisa de manga comprida, gravata e blazer. Não importa o tempo. Se estivesse 30 graus, 35 graus, blazer, gravata... Todo o momento da sua vida dentro do Aché naquela época você tinha que estar de blazer e gravata. E você saía feliz para trabalhar. Pegava sua malinha, a famosa Catarina, e ia para a luta. Você ia para o ponto de encontro, separava as suas fichas do dia e ia fazer, além das visitas médicas, naquela época a gente efetuava ainda a venda na farmácia porque o Aché não tinha distribuidora. Nós efetuávamos a venda para a farmácia, e também, após a vinda do boleto, nós efetuávamos a cobrança também. M

P - Você falou do ponto de encontro. Onde era esse ponto de encontro? Ceschini - Ponto de encontro geralmente era numa praça, ou num hospital, um local predeterminado por você, onde você gostaria de estar. Quando eu estava na região de Cotia, eu marcava o meu ponto no hospital de Cotia. Se caso o meu supervisor quisesse me encontrar, ele sabia onde eu estava pelo ponto. M

P - Ali em Osasco tinha algum ponto que era tradicional de reunir os propagandistas de outros laboratórios... Ceschini - Quando eu iniciei era na Praça Duque de Caxias, onde está situado o Hospital das Damas. Seria nesse local que realmente os colegas se encontravam. M

P - Para quê? Para tomar um café? Como era? Ceschini - É, geralmente para tomar um café, trocar idéias... O propagandista tem muito disso: eu necessito de um medicamento de um outro colega, ou o colega necessita... Então a gente fazia aquela troca; a troca de material para saber o que o colega está fazendo, qual o trabalho dele... Aquela troca de informações, a gente faz aquele bem bolado. M

P - E nessa região você percorria na parte da manhã o quê? Eram hospitais, consultórios... Ceschini - Nesse início eu trabalhava hospital, postos de saúde da região de Osasco, consultórios... Toda essa linha de clínicas. Era mais consultórios e postos de saúde mesmo. M

P - E o almoço onde era? Ceschini - O almoço era onde dava, porque naquela época não tinha muitas opções, não existiam shoppings, nada disso. Era um barzinho que você olhava e falava: É aqui, mesmo." Muitas vezes você estava na farmácia e do lado da farmácia tinha uma padaria e lá servia um comercial, e você ia comer um comercial. Então não tinha muitas opções para almoço. M

P - E percorria tudo isso com o carro, você não ia a pé. Ceschini - Não, com o carro.

Primeiras propagandas

P - E no posto de saúde, no hospital, consultório, como era essa relação com o médico? Era difícil trabalhar? Ceschini - Olha, a princípio, por eu ser novo de ramo, a gente ficava com um pé atrás, porque o médico, ele sempre se achou um ser superior a nós. Então a dificuldade é muito grande quando você inicia. Tudo que você vai iniciar na vida é uma coisa difícil, então hoje eu me sinto uma pessoa privilegiada pelo fato de você já ter um tempo... Hoje eu me tornei um amigo dos médicos. Naquela época era difícil de você fazer esse contato, essa amizade, porque você estava iniciando, você ia muitas vezes com medo para falar, você tinha um certo receio de falar com o médico: "Será que o médico vai me perguntar alguma coisa?" Porque o curso te passava muita informação, e praticamente era por osmose. Você pegava tudo aquilo e muitas vezes você não lembrava, então sempre ficava com receio do médico te perguntar alguma coisa. M

P - Você lembra da tua primeira propaganda? Ceschini - Olha, tremi bastante, viu? Tremi bastante, gaguejei muito. É como eu te falei, você se sentir um pouco inseguro do médico te questionar em relação a alguma coisa. Tem muitos médicos que já conheciam os outros propagandistas mais velhos, faziam brincadeiras com a gente, mas até então você não sabia que o médico estava brincando. Fazia alguma pergunta: "Me fala a fórmula técnica do produto." Aí você falava a fórmula e: "Eu quero a fórmula técnica": "Aí o senhor me pegou, eu não sei. Fórmula técnica?": "É, eu quero saber como é que é": "Olha, doutor, se o senhor quiser fazer a solicitação o senhor faz, que eu não sei isso, não." Era bem complicado. M

P - Teve na sua história, nesses anos todos, alguma relação com um médico que te marcou mais? Cria uma proximidade, né? Ceschini - Cria. Como eu te falei. Você começa a fazer amigos. Hoje, olha, eu me sinto uma pessoa totalmente satisfeita com aquilo que eu estou fazendo no dia de hoje. Mas você vai criando um vínculo com os médicos, uma amizade. Hoje para você ter uma idéia eu freqüento casa de médico, chácara; sou convidado para aniversários. Coisa que na época não acontecia. E hoje com o passar desses longos anos você cria isso, então hoje a coisa é muito mais fácil.

Diferencial do Aché

P - Tinha alguma diferença do propagandista do Aché com o propagandista dos outros laboratórios? Ceschini - Tinha. Na época que eu entrei no Aché, o Aché era um laboratório muito mal visto. Muito mal visto, pelos outros laboratórios, porque você praticamente era colocado de lado quando você falava que era do Aché. Uma que você já se diferenciava dos outros laboratórios pelo seu traje. M

P - Que os outros não usavam. Ceschini - Não usavam. Você chegava e não precisava nem falar que os caras já sabiam: "você é do Aché." Aquele calor de 35 graus e você de blazer, gravata, suando no verão. E você era obrigado a estar desse jeito. Era obrigado. Então você não precisava nem falar que você era do Aché. E assim o pessoal das multinacionais pisava em você. Pisavam: "Você é do Aché; nossa, que lixo Não sei como você agüenta; é assim mesmo." A expressão própria era essa: "Ô louco, meu, sai de lá, vem para cá." Convites. Eu tive muitos convites na época: "Vem para cá." E a vida útil de um representante o Aché nessa época, três meses, um ano, era muito. As pessoas não agüentavam, era muito massificante na época. M

P - Por quê? Trabalhava mais que os outros? Ceschini - Assim, nós fazíamos algumas coisas... A gente tinha que visitar, a gente tinha que vender, que cobrar. Coisa que os outros laboratórios não faziam. O número de visitas que eles pediam era maior do que o da concorrência, o número de farmácias era maior do que da concorrência... Tinha muitas atribuições no Aché que os outros laboratórios não tinham. Nós não tínhamos carro da empresa, eles tinham. Tudo isso eles jogavam na cara da gente. Eles falavam: "Pô, Aché? Que coisa, meu, sai daí, vem para cá..." Eu sempre acreditei no Aché... Eu não sei, eu acho que é um lance de pele, até hoje; é uma coisa que eu me identifico muito. E saber que eu estou fazendo parte dessa história. M

P - Com o que você se identifica? Você consegue saber o que é? Ceschini - Acho que porque o Aché sempre foi uma casa que começou do nada. Começou de baixo. E chegou aonde chegou... Hoje o Aché é um laboratório respeitado, até muito mais do que multinacionais, pela própria classe médica. Como eu te falei, no início eu tinha medo do médico. Hoje o médico me respeita. Assim como o Aché. O Aché era um laboratório pequeno, que não tinha... De certo modo, por ser nacional, os médicos viam o Aché assim, um pouco diferente: "Nacional? Será que funciona?" Só que nós mostramos no decorrer desse tempo todo que o Aché é um laboratório confiável, é um laboratório que começou do nada e chegou aonde chegou. Não foi por acaso, é uma luta; uma luta árdua, com todos os percalços que praticamente existiram, com todas as dificuldades. Você pegar um carro e mal saber se o carro ia chegar no lugar que você tinha que ir; pegar rua de terra nos dias de chuva, e com aquele medo todo ter que cobrar uma farmácia lá em Santana do Pirapora... Eram dificuldades. E eu me considero uma pessoa vencedora, eu me considero do fundo do coração uma pessoa vencedora assim como o Aché é.

Desafios no trabalho

P - Qual que era a parte mais difícil? O desafio maior? Era essa parte da farmácia? Ceschini - O desafio maior no Aché era trabalhar no Aché, se manter no Aché, porque você era cobrado dia a dia: você era cobrado numa reunião, você era cobrado na visitação, você era cobrado na venda, na cobrança... Tudo você era cobrado. Você tinha que respirar... O pessoal vinha em cima de você, respirava, assimilava e ia. Acontecia alguma coisa: "Farmácia tal não pagou, você tem que ir..." Para você ter uma idéia, em festa de final de ano, em confraternização, eu tinha que sair da confraternização para ir cobrar uma farmácia, uma duplicata. Eu tive que ir lá cobrar para trazer para o meu supervisor para eu poder sair de férias. Porque senão eu não saía de férias, porque eu tinha uma duplicata em aberto. Então o mais difícil no Aché era se manter dentro do Aché. Se manter trabalhando, porque eu acho que se cresceu não foi por acaso. Foi com muito trabalho, com muita dedicação. O pessoal pegava no pé. Mas é assim. Eu acho que se não existisse essa cobrança o Aché não se tornaria a potência que é hoje, porque se você deixar o representante muito à vontade, o ser humano de vez em quando você tem que dar uma puxadinha nele, você tem que dar uma cutucada nele porque senão ele não vai, ele se acomoda. E no Aché a gente não tinha tempo para se acomodar. Se você se acomodasse você não ficava no Aché, não permanecia. Você tinha que a cada dia fazer mais. Para você ter uma base, a gente tinha uma quota de venda. Se essa quota era 150 esse mês, você batia ela, e no mês seguinte ela já era 155. Se você batesse ela no outro mês já era 160. Eu lembro que eu até brincava com o meu gerente, falava assim... A gente tinha aumento de produto mensal: aumentava esse mês, aumentava o outro mês,... E eu lembro que esse repasse do aumento tinha na quota. Você tinha uma quota de 150, aumentava o medicamento, aumentava sua quota. Só que você fazia os cálculos e tinha um aumento maior na quota. Aí você perguntava: "Mas aumentou mais do que o medicamento aumentou": "Esse é o vegetativo." Eu sempre quis saber quem era esse tal de vegetativo, eu nunca conheci esse tal de vegetativo, mas era um "aumento vegetativo". "Mas quê aumento?" Eu sempre questionava: "Que aumento vegetativo é esse?": "É o aumento vegetativo." E nunca me apresentaram esse tal de vegetativo. M

P - Mas eu não entendi. Aumento da quota seria o quê? Não é preço, e quantidade que você tinha que vender. Ceschini - Era assim, eles estipulavam uma quota em valor e em quantidade. Então, por exemplo, aumentava o valor, além de aumentar cruzeiro, aumentava a unidade. Você tinha duas quotas... M

P - Que você tinha que vender naquele mês. Ceschini - Tinha que vender naquele mês. A cada 20 dias você tinha que chegar lá com os pedidos e você tinha que cobrir aquela quota. M

P - O que te ajudava a vender nesse começo? o Aché foi conquistando espaço nesse mercado, que no começo era até um pouco hostil... Ceschini - É. Bem hostil...

Relação com as farmácias

P - O que te ajudou a conquistar? Eram os produtos que eram bons? Era a campanha? O que é que foi? Ceschini - Olha, o Aché é assim, a gente tem que tirar o chapéu por tudo que o Aché... O Aché sempre foi um laboratório de desafio. Em reuniões a gente sempre colocava metas, objetivos, desafios. Até então você achava: "Ah, eu não vou conseguir." Mas você conseguia. Para você ter uma idéia, você chegava numa farmácia para vender, você tinha mínimo de venda. Na época eu lembro que era 7.500 - eu não lembro agora se era cruzeiros. Era 7.500 cruzeiros, suponhamos. E você chegava na farmácia e o cara da farmácia falava assim: "Você está louco, meu Comprar 7.500 cruzeiros de Aché? Você está louco, é muita coisa": "Você não vai querer comprar, então eu vou embora, eu volto mês que vem": "Não, não, espera aí..." Ele não ficava sem os produtos do Aché. A venda, a rotatividade dos produtos do Aché era muito grande. Muitas vezes o farmacista, faltava um ou dois itens, mas ele te dava um pedido dentro daquele seu mínimo. Ele comprava dos outros produtos para dar o mínimo, que ele não podia ficar sem os produtos do Aché. O Aché sempre foi um laboratório que chamava o pedido. O Aché sempre se diferenciou dos outros laboratórios porque tinha uma rotatividade de produtos enorme, enorme. M

P - Chamava o pedido quer dizer o quê? A farmácia que chamava a... Ceschini - É, o farmacista não poderia ficar sem os produtos do Aché. Porque nem todo o farmacista, nem toda a farmácia tinha produtos do Aché, porque o cadastro de farmácia quem fazia éramos nós, então eu não vendia em todas as farmácias na região de Osasco, eu vendia apenas em algumas farmácias. M

P - Era uma estratégia isso de vender só em algumas? Ceschini - Não, porque pelo fato do Aché ter esse mínimo, o mínimo era muito alto, então algumas farmácias não tinham o poder da compra, de comprar esses 7.500 cruzeiros. Então eles ficavam sem o produto, e com isso as farmácias que podiam comprar eles tinham um giro muito alto. Para você ter uma idéia, eu vendia em mais ou menos 30 farmácias do meu setor e cobria a minha quota. 30 farmácias apenas, sendo que eu tinha cadastrado 100 farmácias. M

P - Como funcionava? Você fazia o pedido e aí esse pedido ia ser entregue dali há uma semana, duas semanas, e você cobrava depois? Ceschini - Sim. As duas primeiras semanas praticamente eram as semanas de propaganda. E as duas semanas subseqüentes eram semanas de venda. E a gente tinha a data de fechamento de vendas. Nas duas semanas seguintes você tinha que correr atrás de vendas. Você colocava farmácias, encaixava médicos no roteiro. Você ia, fazia propaganda, ia na farmácia, já tirava o pedido, e aí você ia enviando para o supervisor. Encontrava-se numa praça, ou mesmo no escritório. No dia do fechamento era no escritório. M

P - Entregava os pedidos para o supervisor. Ceschini - Para o supervisor. Só que você já entregava pronto. Quantidade, calculado com o valor, tudo certinho. M

P - E depois a cobrança era como? Um mês depois? Ceschini - Um mês depois, 30 dias. M

P - 30 dias depois. Ceschini - Aí vinham os boletos para nós, aí você ia na farmácia, ia passando e ia cobrando 30 dias após. M

P - E só o Aché que trabalhava nesse esquema, ou os outros laboratórios também? Ceschini - Alguns laboratórios também trabalhavam.

Produtos do Aché

P - Você falou que os produtos saíam muito. Cceschini - Muito. M

P - Qual o produto que você lembra que fez sucesso, que você gostou de trabalhar? Ceschini - A princípio, quando eu entrei no Aché, eu entrei na linha da Novoterápica. Na Novoterápica a gente tinha o Lorium, que vendia muito. Lorium AD, Lorium GI. Quando eu entrei já tinha a linha da Parke-Davis. Estava mesclado: a linha da Novoterápica e a linha da Parke-Davis. Então eu trabalhava com o Sinutab, o Pyridium, o Agarol, Fibrase... Esses produtos vendiam muito. Supositório de glicerina.Tinha uma farmácia na Granja Viana que quase o mínimo dava em supositório de glicerina que eu vendia. M

P - Mas não tinha concorrente? Ceschini - Tinha, mas o Aché, essa linha da Parke-Davis, a própria linha do Aché, esse trabalho do início do Aché marcou muitos produtos. Você tinha o Combiron que vendia muito, o Colpistatin... São produtos que você punha a lista assim, o cara olhava e já punha a quantidade: 100, 120... Tinha uma farmácia que me pedia 1.200 unidades de um produto, que era a Drogal em Carapicuíba, o meu melhor cliente do setor. Ali, eu fazia todas as farmácias, se faltava um pouquinho eu ia lá e eu sabia que lá eu ia fazer pelo menos 50% da minha quota. M

P - Quando é que vocês deixam de fazer essa venda e a cobrança? Isso que época que é? Você lembra? Ceschini - Olha, aí... Não lembro... M

P - Anos 80? Ceschini - Eu entrei em 85. Por volta, passado acho que uns cinco anos. M

P - Mudou muita coisa no seu dia-a-dia quando você deixou de cobrar e vender? Ceschini - Mudou, mudou porque facilitou mais para a gente, porque a gente tinha atribuições... Por exemplo, muitas vezes você tinha que ir na farmácia cobrar, e muitas vezes você chegava e o farmacista não estava, você tinha que voltar outra hora; ou eu ia lá e estava sem cheque, aí você tinha que voltar. Se pegasse em dinheiro você tinha que depositar na conta do Aché. Tinha essa também. Muitas vezes você tinha que depositar cheque, dinheiro, na conta do Aché.

Mudanças na rotina

P - Qual foi o passo seguinte no seu trabalho no Aché? Depois você mudou de região ou continuou? Ceschini - Eu continuei. Nessa região que é determinada fundão de Osasco e adjacências, e outros municípios eu fiquei por volta de nove anos. Após isso houve uma mudança de estratégia no Aché, mudança de linha. Nós tivemos linha um e dois praticamente. E aí eu passei a fazer uma parte do Centro de Osasco e a parte do fundo. Aí o colega que fazia o Centro também fazia. Foi uma mescla dos setores. E passado algum tempo nós tivemos um colega que foi obrigado a fazer uma cirurgia no joelho, ou melhor, uma prótese de fêmur, e ele fazia um dos setores muito importantes na região de Osasco, que é o Centro de Osasco, onde se encontra o maior número de hospitais, onde seriam os hospitais de ponta da região, que é o Cruzeiro do Sul, o Montreal, o próprio Hospital das Damas, a Maternidade Doutor Cury. Então eram os hospitais que não poderiam deixar de estar recebendo visitas. Uma concentração muito grande de médicos nessa região. Aí foi solicitada a minha presença nessa região pelo fato do colega ter tido esse inconveniente da cirurgia de fêmur. M

P - E a rotina de trabalhar nos hospitais é um pouco diferente? Ceschini - Bem diferente. Porque até então o setor que eu estava eram mais postos de saúde, consultórios. Tinha um só hospital. Ou melhor, tinha dois hospitais, mas era hospital de bairro, hospital de poder aquisitivo muito pequeno, que era o Hospital Santa Casa e o Hospital de Cotia. Quando eu vim para o Centro eram hospitais maiores, onde o poder aquisitivo era maior. A concentração de médico era maior também, então ficou mais fácil. M

P - E o dia-a-dia do propagandista também mudou um pouco. A concentração de trabalho. Ceschini - Mudou. Para você ter uma idéia, no outro setor, para fazer um roteiro, eu tinha que utilizar o meu carro. O setor que eu estou hoje, após a intervenção cirúrgica que o colega foi submetido, é um setor que muitas vezes você para o carro e faz todo a pé. Uma rua tem o hospital e os consultórios, então você faz todo a pé. M

P - Que rua que é essa? Ceschini - É uma rua principal, a Rua Padre Damázio.

Ponto de encontro

P - Tem ali alguma padaria, algum cafezinho especial? Ceschini - Tem, tem. A lanchonete do seu Hilário. M

P - O que tem de bom lá? Ceschini - Eu até brinquei, eu até falei: "Seu Hilário, o dia que eu for gravar uma Fita no Aché eu vou falar assim: Eu queria agradecer ao seu Hilário da lanchonete." É uma pessoa muito querida. Onde você encontra a maioria dos colegas, a lanchonete do seu Hilário. Uma pessoa que o que ele puder te ajudar ele te ajuda. E pelo fato da gente estar lá também consumindo há bastante tempo a gente criou um vínculo. E aquele lance que eu te falei da amizade, sabe? Muitas pessoas que necessitam de algum medicamento, pessoas carentes, já sabem. Lá ficou um ponto. É muito comum você ver aquelas pessoas pobrezinhas chegarem com aquela receitinha toda amassada; pessoas sem condições de compra chegam até lá: "Por favor, o senhor não pode me ajudar?" Muitas vezes. Mediante uma receita, lógico, que a gente não sai entregando medicamento aleatoriamente. Ou mesmo o médico, pelo fato dos hospitais estarem próximos à lanchonete, os médicos sabedores disso, eles mandam os pacientes: "Olha, vai lá na lanchonete que você pode encontrar; vai de manhã ou vai na hora do almoço que você pode encontrar eles lá." M

P - Vocês se encontram lá de manhã? Ceschini - É, geralmente é assim. Hoje o ponto de encontro continua. Só que é o primeiro médico. Quando, por exemplo, é próximo à lanchonete esse primeiro médico, a gente procura tomar um café e rapidamente ir para o ponto. E não digo que diariamente eu estou lá, eu passo de vez em quando; quando o roteiro está próximo, eu procuro passar, tomar um cafezinho. M

P - Almoça lá também. Ceschini - Um lanche, porque lá eles não tem... É mais um lanchinho. M

P - Qual é a especialidade do seu Hilário? Tem alguma coisa gostosa? Ceschini - Lanche, mesmo. Um cheese-egg, um cheese-salada...

Concorrência

P - E o relacionamento com os outros laboratórios mudou nesses anos? Ceschini - Muito. Hoje, aquelas pessoas que te criticavam por você ser representante do Aché te elogiam. Aquelas mesmas pessoas que te criticavam, vêm: "Pô, não tem uma vaga lá?" Aí você olha e fala assim: "Os tempos mudaram, né?" Aqueles que faziam crítica ao Aché se curvaram diante do Aché. Se curvaram diante da potência do Aché. Hoje o Aché é respeitado não só perante os laboratórios, mas perante a classe médica. É muito comum quando você faz aquele trabalho de trazer o médico para conhecer as instalações do Aché, o médico relatar... Tem relato de médico que fala que pensava que o Aché era um galpão. Um galpão, um negócio bem precário, bem brasileiro. O brasileiro tem muito disso. Todo mundo acha que o Brasil... Principalmente as pessoas de fora. Eles acham que o Brasil continua tendo índio, tendo aquelas coisas, aquela coisa bem precária... Uma coisa que não aconteceu ainda. Então os médicos quando vêm visitar o Aché se surpreendem, ficam de boca aberta. Tem um médico que eu trouxe, o doutor Valdomiro, ele relatou que restaurante igual ao do Aché ele só viu na Europa. Inclusive ele quer trazer a esposa dele, porque ele fez esse relato para a esposa, e perguntou se tinha a possibilidade de trazer a esposa dele para conhecer o restaurante do Aché. Ele ficou assim, pasmo: "Olha, eu só vi restaurante assim na Europa." E não tendo aquela diferenciação de classe, porque ele viu sentada a pessoa da limpeza; estavam os donos do Aché almoçando na mesma mesa onde estava a pessoa da limpeza, onde estava um representante, onde estava a pessoa da linha da produção... Então ele falou que isso é primeiro mundo. É primeiro mundo, não existe diferenciação de classe, nada, é aquela coisa bonita, aquela coisa familiar, aquela coisa que tem raiz, não é uma coisa aleatória. O médico achar que era um galpão, um monte de gente sem máscara, sem luva, mexendo no medicamento. Então os médicos se surpreendem quando entram dentro do Aché. M

P - Quantos anos de Aché já? Ceschini - No dia 5 de setembro agora eu estou completando 17 anos de Aché.

Vida familiar

P - Nesse meio tempo nasceram seus filhos também. Eu queria que você contasse um pouquinho. Quantos anos eles têm... Ceschini - Então, o Cauê, que é o mais velho, agora em agosto ele vai fazer 13 anos, e o Caíque, que é o menor, agora no dia 12 próximo ele vai fazer 9 anos. M

P - Você lembra do nascimento do Cauê? Ceschini - Lembro. O Cauê... De certo modo eu me emociono quando falo do meu primeiro filho, porque foi uma gravidez um pouco antes do tempo. Ele nasceu de sete meses. E a minha esposa passou um certo nervoso; e acabou tendo que ser internada, para segurar mais um pouco para completar os meses. Aí foi quando nasceu o Cauê. E tinha relatos que ele ia nascer com muitos problemas, tipo parte respiratória, então eu fiquei muito preocupado com isso. Eu lembro até que quando ela subiu para a sala de parto, a sala de cirurgia, eu fiquei aguardando lá, e começou a demorar muito. E numa dessas oportunidades eu fui até o berçário, e chegou uma criança cheia de... Com soro na cabeça... E isso me impressionou muito, achei que era meu filho. A hora que eu vi aquela criança eu comecei a chorar, chorar; fui para o quarto e comecei a chorar, chorar... Foi quando a enfermeira falou: "Por que você está chorando?" Eu falei: "Porque meu filho nasceu com problema..." Eu estava em prantos mesmo, chorando muito. "Mas espera aí, o seu filho nasceu agora, vai lá ver. Aquele filho foi um parto de uma paciente que entrou antes dela; ela estava numa gravidez de risco e ela foi primeiro que a sua esposa. O seu filho nasceu agora." Eu fui lá e chorei mais ainda. (riso) M

P - (riso) E o Caíque já foi alguns anos depois. Ceschini - É, o Caíque nasceu um pouco depois, mas aí foi tudo bem, tranqüilo.

Voluntariado

P - Eu me lembrei que você à maternidade naquele dia do voluntariado, não foi? Ceschini - Fui. M

P - Você participa dessas atividades de voluntariado? Ceschini - Participo. É uma coisa que eu gosto muito, que eu tenho comigo. Eu faço alguns trabalhos; nós temos um centro espírita onde nós montamos um grupo, e nesse grupo nós fazemos uma escala anual para no caso, todo o sábado, a gente estar fornecendo lanche para mais ou menos 200 crianças. A gente faz escala anual, e cada sábado tem uma pessoa lá distribuindo lanche. A pessoa que é responsável, o seu Paulo, não aceita doação em dinheiro; ele aceita que você vá lá. Ele tem a cozinha, você leva o que você quer fazer. Ele tem um fogão industrial, tem tudo lá; você vai lá e leva o que você achar que deve ser feito: uma sopa, um cachorro quente... O que achar que deve ser feito. Vai lá, você vai fazer e você vai distribuir. M

P - E você vai de vez em quando. Ceschini - Vou. Nós temos a escala. São quatro vezes no ano. Além disso, tem a casa da criança excepcional que eu participo também, levando cestas básicas, tudo que eu consigo. Muitas vezes medicamentos que eu procuro entre os colegas... Porque lá são mais crianças. Eu procuro pegar um pouquinho de cada colega, fazer um apanhado geral, e levo lá para o seu Antônio, que é um trabalho muito bonito que ele faz. Quem iniciou esse trabalho do seu Antônio foi a Maria Maia, que é a falecida mãe dele, e após o falecimento da mãe dele ele continua esse trabalho. É um trabalho lindo... M

P - E aqui no Aché tem um grupo de voluntariado que você participa também? Ceschini - No Aché nós tivemos aquele trabalho no dia do voluntariado. Eu participei. Nós estivemos no hospital Cruzeiro do Sul, foi muito bem aceito, elogiado pelo dono do hospital. M

P - Como foi esse trabalho? Ceschini - Olha, é sempre bom você observar o sorriso das pessoas, a gratidão das pessoas. Quando você faz qualquer coisa assim, sem interesse de receber alguma coisa, é mais gratificante. Você fazer uma pessoa feliz, sabe? Você poder de alguma maneira fazer alguma coisa pelas pessoas. M

P - O que vocês foram fazer naquele dia? Ceschini - Nós fomos entregar o enxoval de solidariedade, fomos tirar fotos da mamãe com o bebê e entregar a mesma, fomos falar um pouco. Fizemos brincadeiras, compramos chocolate, entregamos para o pessoal da enfermagem, para os médicos que estavam lá. Então foi um trabalho assim onde houve um envolvimento mútuo. Todas as pessoas que eram abordadas por nós se sentiam bem, todas as pessoas querendo participar. As pessoas querem fazer alguma coisa, mas elas não sabem como fazer isso... M

P - Quando foi esse dia, Ceschini? Foi um dia especial? Ceschini - Foi um dia especial, onde o Aché parou tudo: linha de produção, o laboratório... Todas as pessoas estavam envolvidas com esse dia. Foram deslocados, cada um para um local, para um hospital, uma creche. Foram deslocadas e cada um foi fazer um pouco. É o que falta nesse mundo: cada um fazer um pouquinho. Se cada um fizesse um pouquinho o mundo seria muito melhor.

Sonho para o Aché

P - A gente está chegando no final, a gente falou bastante do passado, do que aconteceu nesses últimos anos. Eu queria te perguntar de futuro. Qual é o sonho principal que você tem na tua vida, Ceschini? Ceschini - O sonho principal, hoje eu posso falar para você que eu vivo o melhor momento da minha vida dentro do Aché. Hoje eu sinto, por parte das pessoas que eu estou relacionado, que são os médicos, eu sinto um respeito muito grande pela minha pessoa e vice-versa; hoje eu criei um vínculo de amizade com esses médicos. Hoje a gente observa médicos que são difíceis para você falar, os colegas encontram dificuldades grandes, o médico não atende... E muitas vezes eu chego lá e falo: "Será que dá para você anunciar que é o Lobão, tal..." Então criou um vínculo, e para mim isso, fazer amizade, cultivar amizade, novos amigos, isso é importantíssimo na vida. Na vida de todas as pessoas. O que eu espero do Aché hoje, o que eu espero da empresa hoje? Eu acho que nós estamos no caminho certo; o que faltava para o Aché está acontecendo, que é a valorização, deixar com que você faça muitas vezes da sua maneira. Porque muitas vezes você tinha que fazer assim: "Você tem que fazer assim." Hoje não, hoje eles pedem: "Como você acha que é melhor?" Então isso valoriza muito a pessoa. Antes de você fazer alguma coisa, não falar: "Faz assim.": "Qual a sua opinião? Como você acha que deve ser feito?" Você está no setor, você sabe como é melhor, você já conhece o perfil dos médicos. Então a minha esperança é que isso continue acontecendo dessa maneira, que eu tenho certeza que apesar de todas as dificuldades que a gente está vivendo com os genéricos, com troca de receita, com todas as adversidades que a gente está enfrentando, eu tenho certeza que o Aché está no caminho certo. São adversidades, mas que vão passar, e a gente vai tirar bons proveitos. Eu não tenho dúvida que o Aché está no caminho certo e que no final a gente vai sair mais vencedor do que nunca. O Aché é um laboratório vencedor, e eu me considero vencedor porque eu estou fazendo parte dessa família. Eu acho que eu já coloquei vários tijolinhos nessa empresa, que ao longo dos 17 anos eu contribuí para o Aché ser o que é. M

P - Você falou Lobão. Eu queria que você contasse a história desse apelido. Ceschini - Esse apelido, Lobão, surgiu numa época onde estava em evidência aquele cantor, o Lobão. Eu não sei o porquê, se por causa do meu cabelo, por causa do corte do meu cabelo na época - que é um pouquinho diferente de hoje... Eu acho que foi um apelido até carinhoso. M

P - Quem é que te deu? Ceschini - Foram os próprios colegas. Começou, um brincou: "Parece com o Lobão..." E ficou. Uma grande parte da classe médica num setor me conhece por Lobão, outra parte me conhece por José Carlos. Ambas as partes me conhecem. O importante é isso. Sabem quem eu sou, sabem que eu sou do Aché, que eu visto a camisa. Não vem falar mal do Aché que eu brigo. Visto até hoje e confio na empresa. M

P - Como era o visual da época? Cabelão? Ceschini - Não, não, o Aché nunca... M

P - Não, antes, quando te deram o apelido... Ceschini - Ah, sim. Não sei se é porque ele era um cara meio revoltado, alguma coisa do tipo. Ele era um cara meio assim, revoltado, e eu nunca foi revoltado. E não sei porque ficou essa ligação, e ficou Lobão, Lobão... Mas é um nome carinhoso. Os médicos aceitam, brincam... M

P - Mas surgiu no Aché o apelido? Ou não? Foi antes? Ceschini - Surgiu no ramo. Foi no ramo da propaganda, mesmo. M

P - Porque você já nem tinha cabelão. Ceschini - Eu não tinha mais cabelão, foi depois que eu entrei no Aché. E eu não lembro quem foi a primeira pessoa que me chamou de Lobão, que falou: "você parece com o Lobão." Aí começou Lobão para cá, Lobão para cá e ficou até hoje. Eu acho que... M

P - A tua herança do rock. Ceschini - É. Vai ver que eu tenho alguma parte espiritual com o Lobão, alguma coisa do tipo.

Contar sua história

P - Para terminar eu queria saber o que você achou de ter contado a sua história. Ceschini - Olha, muito legal. É que eu acho que a memória da gente chega a ser até um pouco fraca. Mas esse trabalho de vocês é lindo, porque eu falei de algumas coisas aqui que eu não me lembrava mais. Mas pelo fato de você perguntar alguma coisa você vai resgatando. Então eu acho importante isso, resgatar os momentos: os momentos difíceis que você passou, os momentos felizes, os momentos tristes. Então fazer esse tipo de trabalho... Eu acho que vocês estão de parabéns. Eu acho que resgatar a memória da empresa, de como ela iniciou, as dificuldades, isso é importante para toda a empresa, saber que ela não nasceu do jeito que ela está, ela teve uma origem, passou por dificuldades, e se encontra hoje graças a tudo isso, graças ao trabalho de cada um. Então eu só poderia agradecer essa oportunidade; para mim é o máximo. Eu nem sei se eu fui tão bem, se eu consegui me expressar tão bem, mas eu fiquei muito grato em ter tido essa oportunidade, em poder falar um pouquinho, em colocar o tempero do Lobão nessa entrevista, nessa história do Aché, que é uma história que eu tenho certeza que eu faço parte, sem dúvida. M

P - A gente que agradece. Muito obrigada, foi ótimo. Obrigada mesmo. Ceschini - Desculpe a nossa falha M

P - Imagina, foi ótimo (riso)

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